terça-feira, maio 31, 2005

A nova Idade Média


Strong son of God, immortal love,
Whom we, who have not seen Thy face
By faith, and faith alone, embrace,
Believing where we cannot prove.

(Tennyson, In Memoriam)

A propósito do debate evolucionismo/creacionismo que, infelizmente, continua nos E.U.A., escrevi aqui e aqui alguns comentários.
Também referi aqui e aqui a polémica sobre as células estaminais.
Esta semana a New Yorker tem um longo e pertinente artigo sobre o Intelligent Design, de H. Allen Orr, que recomendo.
Evidentemente que estas discussões entroncam numa outra, muito antiga, mais vasta e complexa: a relação entre a Ciência e a Religião. Esta ligação jamais foi pacífica, mas principalmente desde que algumas técnicas se desenvolveram, como a procriação medicamente assisitida, ou a genética se expandiu, parece que os pobres destinos de Galileu e de Giordano Bruno se rescrevem. Sobre isto dizia Einstein:
“And so it seems to me that science not only purifies the religious impulse of the dross of its anthropomorphism but also contributes to a religious spiritualization of our understanding of life. The further the spiritual evolution of mankind advances, the more certain it seems to me that the path to genuine religiosity does not lie through the fear of life, and the fear of death, and blind faith, but through striving after rational knowledge. In this sense I believe that the priest must become a teacher if he wishes to do justice to his lofty educational mission.” (Science, Philosophy and Religion)
Ontem o Papa instigou os italianos a não votarem (ou a votarem contra) o referendo que decorrerá em Junho e que pretende a flexibilização da lei sobre reprodução medicamente assistida. A presente lei, a mais restritiva da Europa, proíbe a doação de óvulos e esperma, limita a três o número de embriões criados através das técnicas in vitro e proíbe toda a pesquisa com embriões. Os defensores da revisão da lei contendem, e eu concordo, que esta limita absurdamente a pesquisa científica tanto quanto os direitos reprodutivos da mulher, já que impossibilita o congelamento de embriões e limita a implantação a três.
A infertilidade, afecta cerca de 15% da população em idade fértil, mais ou menos 300 mil pessoas em Portugal. Mundialmente estima-se que um em cada seis casais é infértil. Para além disto, como aliás se tem verificado em muitos países, a inexistência de leis ou leis muito restritivas, tem instigado ao tráfico de material biológico.
A posição de Ratzinger, um primeiro teste à sua autoridade e liderança, está a já a ser alvo de forte contestação, mesmo entre católicos…pois nem todos eles aceitam que a sua impossibilidade de terem filhos é apenas um mistério, que “cada um tem a sua cruz”.
Aqui se conta a história, por exemplo, de um casal em que ele ficou estéril depois de um tumor. Para além de terem gasto uma fortuna a fazer os tratamentos na Grécia, escapando às restrições da actual lei, são bombardeados nas missas a que assistem, já que são católicos, com propaganda contra a alteração à lei.
Da mesma forma, Bush, desde 2001 (tendo reafirmado as suas intenções na passada semana), está determinado a sufocar a investigação sobre células estaminais nos E.U.A., baseando-se, sobretudo, nas suas convicções religiosas. O seu grande argumento é que tal levaria à destruição de embriões, mais exactamente de blastocistos, mesmo que estes sejam provenientes dos excedentes de clínicas de fertilização (cerca de 400 mil), onde acabarão por ser destruídos. Mas num espectáculo ímpar, Bush, rodeado de mulheres e crianças, declarou que “não existe tal coisa como um embrião excedentário”, advogando a ideia (lançada por grupos ultra conservadores) de que esses embriões deveriam servir para produzir crianças e não células estaminais. Mesmo que os pais biológicos permitissem essa “adopção”, não apenas o número de embriões excedentários é enorme, como, sobretudo, Bush não mencionou, no seu hino à vida, as milhões de pessoas doentes, que poderiam ser salvas através da pesquisa em células estaminais.
Recordo-me de um cartoon que dizia o seguinte:
- Então e que pensas tu da evolução da espécie humana?
- Era capaz de ser boa ideia!