Os sem memória
Está no Hospital de Portalegre há um mês. A única coisa que o Hospital sabe é que o homem, que mal fala português, se chama Sing e que tinha um patrão chamado Derlei. Pelo menos é o que ele diz. O hospital não sabe mais nada. O homem também não. Amnésico. Terá caído numa obra em Lisboa e seguido para o São José, com um traumatismo craniano. Os serviços do hospital descobriram um papel no seu bolso, com a indicação de Portalegre. Como já não precisava de cuidados médicos em Lisboa, foi transferido para a unidade no Alentejo. A sua identidade continua por determinar. A assistência social já contactou instituições, embaixadas e segurança social. Nada. Nem sequer se sabe como foi parar ao hospital de São José. A direcção de Portalegre, receia que Sing venha a receber alta e não possua no exterior ninguém que o auxilie. A alternativa é uma instituição de apoio a gente sem abrigo.
A história de Sing condensa a triste forma como tratamos os imigrantes. Condenados à ilegalidade, explorados até servirem, abandonados à porta de um hospital quando caducam. Reduzidos a isso mesmo. Mão-de-obra barata e descartável. Os que se podiam preocupar estão longe. Não há quem dê pela sua falta ou se queixe do seu desaparecimento. Lá fora, ninguém os espera. São pessoas sem identidade, sem laços, sem rosto, sem fala ou voz. São sem papéis, são sem abrigo. Sem memória.
(A foto é a que acompanhava a notícia)
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