terça-feira, outubro 03, 2006

Porque é que não se deixa de fumar em Chicago. Um consolo para todos os que falharam.



Vila-Matas
Da cidade Nervosa

"Fui a Chicago para deixar de fumar. Ao entrar no meu quarto no Allerton, interroguei-me por quanto tempo podia suportar a proibição de fumar. (…) No dia em que cheguei- o primeiro dia de Julho de 2000- o calor e a humidade eram insuportáveis. O clima de Chicago é muito duro no Inverno – o lago Michigan gela e atingem-se temperaturas dos 25 graus abaixo de zero – enquanto na Primavera e no Verão o calor e a humidade costumam ser asfixiantes. No Inverno a chamada cidade do vento converte-se num manto de neve. (…) Mas eu cheguei em plena canícula asfixiante e pensei, deixando-me levar pelo senso comum, que o clima dos quatro dias que me esperava em Chicago não teria variações. Equivoquei-me tanto como em supor que a cidade de Eliot Ness era idónea para deixar de fumar.
No mesmo dia em que chegámos, fomos jantar ao Miller´s Bar- um tugúrio mítico por ter contado com Humphrey Bogart e Frank Sinatra entre a sua mais entusiástica clientela -, onde alguém se torna espantosamente ridículo se não fuma. (…)
Na manhã seguinte, o tempo tinha mudado, suavizara-se o clima. Não sabendo que iria suavizar-se ainda mais, eu fumava por essas ruas pensando que não demoraria em voltar a asfixia e a humidade, fumava por essas ruas admirando – visualmente Chicago é esplêndida – a imaginação de arquitectos históricos como Roof, Holabird, Sullivan e Wright, que trouxeram à cidade arrasada pelo grande incêndio de 1871 grandes ideias para arranha-céus. (…)
Como Joseph Conrad que, na viagem ao Congo, foi descobrindo paulatinamente a loucura colonial, fui descobrindo, primeiro de forma pausada e depois acelerada, a evolução enlouquecida do clima de Chicago. Na noite do último dia, a tempestade era alucinante enquanto nos dirigíamos a um perigoso bairro dos arredores onde, segundo Antoni Munné, se ouviam – e devo dizer que era verdade – os melhores blues da cidade. Ali, a uns poucos quilómetros da casa de Raymond Chandler, num obscuro clube de blues invadido por um fumo azul, fui vencido pela tentação do tabaco imprescindível para escutar Johnny B. Moore na sua emocionante homenagem a Muddy Waters. (…)
Cheguei à minha cidade numa terrível madrugada de chuva e vento (…), uma madrugada terrífica que não me inquietou minimamente porque andava só preocupado com a urgência típica do aficionado aos blues: fumar à luz da lua até amanhecer. "