A idade do saber
Geralmente, quando há crimes, há idades. O assassino, do sexo masculino, 43 anos de idade. A vítima, do sexo feminino, 68 anos.
Não é um qualquer que agride, mata ou rouba. Muito menos é um qualquer desconhecido que é violado, atacado ou morto. Com o crime, sai-se do anonimato e da invisibilidade. O mesmo se passou com a Gisberta, assassinada no Porto. E também com quem perpetrou o crime. Ter menos de 18 anos dá, evidentemente, um bónus mediático a estes crimes. A idade, nesta sórdida história, é assunto.
Agora conhecemos a vida da Gisberta. A vida que até agora poucos queriam perceber, acantonada que estava por essa soma maior do que as partes, pela acumulação de sucessivas exclusões. Oriunda de uma família pobre de S. Paulo, imigrante ilegal, transexual. Toxicodependência, SIDA e prostituição.
Quer a Visão quer a Sábado dedicam-lhe umas quantas notas biográficas, que se misturam com a cronologia do crime. Como se para cada uma destas histórias de Gisberta, os agressores tivessem dedicado uma forma de tortura, um dia de ódio. Dia 18 é espancada à paulada e à pedrada. Dia 19 é violada com um pau. Dia 20, já moribunda, é de novo agredida. Dia 21 atirada para um poço.
Lendo estas revistas, parece que Gisberta morreu como viveu. Empurrada de um lado para o outro, pela pobreza, por um corpo que não queria, por um modo de vida onde a sorte é rainha. Por um corpo que lhe falhou outra vez, doente, magro, exigindo heroína, envelhecido. No final, a idade e o aspecto afastavam a clientela. 45 anos.
A rua é de quem a ocupa. É o fim da linha, o fundo do poço. Para lá se mudou Gisberta, exposta como nunca à crueldade dos que passam. Aí ficou Gisberta.
Gisberta, homem-mulher, brasileira-portuguesa, transgressora e doce, como não se cansam de sublinhar nas reportagens. Agora tem direito a fotografia, a palavra, a ser um caso.
A Visão, na última parte do texto, chama os especialistas para dissecar as causas. E, embalados, os jornalistas vão dizendo: “Henrique Borges, 50 anos, antigo professor de Filosofia”; “ A socióloga Maria do Carmo Gomes, 31 anos”; “a psicóloga Constança de Bettencourt, 31 anos”; “Rui Pedro Borges, 45 anos, psicólogo de terapia familiar e comunitária”. Para “tratar” o caso Gisberta os profissionais também passaram a ter data de nascimento. Deve ser por decoro. Há mortes pelas quais todos nos sentimos culpados.
Não é um qualquer que agride, mata ou rouba. Muito menos é um qualquer desconhecido que é violado, atacado ou morto. Com o crime, sai-se do anonimato e da invisibilidade. O mesmo se passou com a Gisberta, assassinada no Porto. E também com quem perpetrou o crime. Ter menos de 18 anos dá, evidentemente, um bónus mediático a estes crimes. A idade, nesta sórdida história, é assunto.
Agora conhecemos a vida da Gisberta. A vida que até agora poucos queriam perceber, acantonada que estava por essa soma maior do que as partes, pela acumulação de sucessivas exclusões. Oriunda de uma família pobre de S. Paulo, imigrante ilegal, transexual. Toxicodependência, SIDA e prostituição.
Quer a Visão quer a Sábado dedicam-lhe umas quantas notas biográficas, que se misturam com a cronologia do crime. Como se para cada uma destas histórias de Gisberta, os agressores tivessem dedicado uma forma de tortura, um dia de ódio. Dia 18 é espancada à paulada e à pedrada. Dia 19 é violada com um pau. Dia 20, já moribunda, é de novo agredida. Dia 21 atirada para um poço.
Lendo estas revistas, parece que Gisberta morreu como viveu. Empurrada de um lado para o outro, pela pobreza, por um corpo que não queria, por um modo de vida onde a sorte é rainha. Por um corpo que lhe falhou outra vez, doente, magro, exigindo heroína, envelhecido. No final, a idade e o aspecto afastavam a clientela. 45 anos.
A rua é de quem a ocupa. É o fim da linha, o fundo do poço. Para lá se mudou Gisberta, exposta como nunca à crueldade dos que passam. Aí ficou Gisberta.
Gisberta, homem-mulher, brasileira-portuguesa, transgressora e doce, como não se cansam de sublinhar nas reportagens. Agora tem direito a fotografia, a palavra, a ser um caso.
A Visão, na última parte do texto, chama os especialistas para dissecar as causas. E, embalados, os jornalistas vão dizendo: “Henrique Borges, 50 anos, antigo professor de Filosofia”; “ A socióloga Maria do Carmo Gomes, 31 anos”; “a psicóloga Constança de Bettencourt, 31 anos”; “Rui Pedro Borges, 45 anos, psicólogo de terapia familiar e comunitária”. Para “tratar” o caso Gisberta os profissionais também passaram a ter data de nascimento. Deve ser por decoro. Há mortes pelas quais todos nos sentimos culpados.
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