O candidato profissional
Ele não come! por Joaquim Fidalgo (Público)
Ohomem não come. O homem não come!... Com medo de que possa estar por perto alguma câmara de televisão e o apanhe nessa actividade humaníssima que é mastigar, ele não come em público... Vinha na última Sábado, numa reportagem que supostamente mostrava Cavaco Silva "na intimidade". Lá contava o repórter que Cavaco tinha ido buscar um prato com comida, num pequeno-almoço buffet com um conjunto de pessoas, mas, quando se preparava para dar ao dente, logo o atento assessor, em pânico, lhe recordou: "Não coma!" É que havia umas equipas de TV por ali. E o homem não comeu. Lá ficou, quietinho, com o prato à sua frente. Imagine-se! A síndroma do bolo-rei não passou...Por estas e por outras é que o homem me inspira pouca confiança. A gente não sabe quem ele é. A gente não sabe como ele é. A gente não sabe o que ele pensa. A gente ouve o que ele diz mas a gente nunca sabe o que ele pensa, porque nunca sabe se o que ele diz é o que ele pensa, ou se é apenas o que ele pensa que é suposto dizer naquela circunstância. Nunca lhe sai nada de espontâneo, que ele não deixa. Nunca se mostra ao natural, que ele não quer. Que pessoa é ele, afinal?As pessoas comem, as pessoas bebem, as pessoas espirram e assoam-se, as pessoas enganam-se (e têm dúvidas...), as pessoas tropeçam, as pessoas riem com gosto, as pessoas zangam-se, as pessoas contam uma graça, as pessoas nem sempre se aguentam geometricamente penteadas. Cavaco não. Cavaco, em público, não diz nem faz nada que possa assemelhá-lo aos seus semelhantes - que, por acaso, são as pessoas.
(...) De Soares, por exemplo, nós sabemos bem quem é e o que tem na cabeça - concordemos ou discordemos. Ele, sim, diz o que pensa, mesmo que nem sempre pense genial. E tem uma pessoa dentro, claro: sem que tenha vindo mal ao mundo, já o vimos comer (é, ele come!), já o vimos rir, já o vimos ralhar, já o vimos com chapéus bizarros, já o vimos cometer gaffes, enfim, já o vimos homem. Conhecemo-lo, gostemos mais ou menos. Mas Cavaco, não: não sabemos quem é, só sabemos como se apresenta. Como representa. E nisso, sim, ele é cá um profissional!
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