sexta-feira, novembro 04, 2005

Memória, Exemplo e Futuro

Do discurso do Prof. Sobrinho Simões, Mandatário Distrital de Mário Soares
(Na aprentação da Comissão de Honra, sábado)

É nas razões da minha decisão que voltam a aparecer a MEMÓRIA, o EXEMPLO e o FUTURO.

A MEMÓRIA é a qualidade mais estruturante de um povo e de uma nação. E eu não me esqueço que o Doutor Mário Soares esteve sempre presente quando Portugal dele precisou. Muitas vezes em alturas bem difíceis e bem arriscadas. Esteve antes do 25 de Abril e esteve no período, dificílimo, pós-revolução. Era primeiro-ministro quando o País se aproximou perigosamente da bancarrota e foi preciso tomar medidas duríssimas para assegurar a nossa sobrevivência. E foi graças a ele, à sua visão, e à sua determinação, que Portugal entrou para a Comunidade Europeia, apesar das vozes dissonantes de vários quadrantes. Sem a coragem, a visão estratégica e a acção de estadista do Doutor Mário Soares, Portugal não seria provavelmente hoje uma democracia ocidental, razoavelmente desenvolvida, membro da União Europeia.

O EXEMPLO é um outro elemento fundamental para a estruturação da sociedade. Em Portugal temos ainda muita dificuldade em reconhecer a importância das elites e dos líderes, e isso vai ter de mudar. O Doutor Mário Soares é um líder nato, capaz de utilizar o diálogo e a persuasão para convencer os outros da justeza das suas convicções e dos seus valores, sem entrar pela via da conflitualidade. O Doutor Mário Soares é um líder com autoridade sem ser autoritário. Só assim se compreende como foi possível ser eleito Presidente da República pouco tempo depois de ter imposto, enquanto Primeiro-Ministro, medidas duríssimas aos portugueses. É também um exemplo por dois outros motivos. Desde logo, porque num País em que poucos sentem a necessidade da competição saudável como forma de progresso, e tantos lutam por antecipar a idade da reforma, o Doutor Mário Soares, com o estatuto e a idade que tem, decidiu avançar para a luta eleitoral, numa fase gravíssima da vida do País, arriscando-se, calculem, a ganhar ou a perder. É um exemplo notável. Como também o é a sua mundivisão, a sua curiosidade e a sua vontade de aprender. Num País em que cerca de dois terços da população declara que não quer saber mais do que já sabe, e em que a chamada notoriedade social acaba em Vigo e Badajoz, é muito bom ter um candidato a Presidente que já foi tudo quanto se pode ser, que se mantém atento às mudanças do mundo e às novas ideias, curioso, culto, com vontade de aprender e de ensinar . [Também entre parêntesis dois pontos: a) O Doutor Mário Soares lembra-me, em muito aspectos o Aquilino Ribeiro que era, como sabem, uma verdadeira força-da-natureza; b) Gosto muito de assistir a Seminários Palestras, Discussões em que participe o Doutor Mário Soares, assim como de almoçar ou jantar com ele porque aprendo sempre qualquer coisa].

E, por fim, o FUTURO. O futuro de Portugal não depende do Presidente, nem do Governo, nem, muito menos (infelizmente) da Assembleia da República. Depende dos portugueses. Depende da capacidade de os mobilizar para as tarefas indispensáveis à construção de um País mais desenvolvido e mais justo. É fundamental que os portugueses sintam que terão um futuro melhor se forem capazes de se unir em volta de objectivos comuns, tais como a melhoria da competitividade, o reforço institucional , a recompensa ao mérito, a recusa em pactuar com a corrupção e a venalidade, a internacionalização e a repartição mais equilibrada dos rendimentos e dos recursos entre pessoas e regiões [A situação das regiões Norte e Centro, cujo PIB por pessoa é inferior ao do dos Açores e cerca de metade do da região de Lisboa, é insustentável]. Os problemas com que Portugal se defronta hoje, e se continuará a defrontar no futuro, mais do que soluções económicas exigem respostas políticas, embora seja obviamente preciso equilibrar as finanças públicas. Isso passa por apostar nas pessoas, na sua qualificação e no seu enquadramento institucional. Passa, também, por bons Governos, e pela capacidade que o Presidente da República tiver, enquanto “ouvidor” e árbitro, para ajudar a conciliar desenvolvimento com solidariedade e coesão social, e para servir como um catalizador social, isto é, como um amortecedor da conflitualidade e da crispação que as mudanças sempre induzem.