quarta-feira, julho 06, 2005

África Ocidental

Pacheco Pereira, no seu blog Abrupto, diz sobre as manifestações em Edimburgo: " Os movimentos anti-globalização foram mais uma vez manifestar-se no sítio onde se vai realizar o G8, “contra a pobreza” gerada pelo capitalismo. Este é um dos maiores enganos que se pode alimentar: grande parte da pobreza africana não existe à míngua de ajuda humanitária, mas devido à enorme corrupção dos regimes africanos, à engenharia social, cópia mimética do marxismo europeu, que levou à destruição do pouco que os regimes coloniais tinham deixado, às guerras civis tribais e, se se quiser, nos tempos mais recentes, ao proteccionismo, principalmente europeu, que impede muitos produtos agrícolas africanos de entrarem nos mercados ricos. É mais globalização que os países pobres de África precisam e acima de tudo, intransigência contra a corrupção dos seus dirigentes."
CAA, do Blasfémias, linka o post do Pacheco Pereira, chamando-lhe imperdível, e Rodrigo Adão da Fonseca, do mesmo blog, linka também um post meu, onde eu me limitava a divulgar a notícia dos presos e feridos nas manifestações. O RAF aproveita para gozar um bocadinho, dizendo:
Mas, eles não está lá para levar pancada? (…) Não é isso que se aprende nos Campos de Férias? A causar distúrbios «mediatizáveis»? Don't worry. Bota betadine que passa. Já agora, como é que fazem? A malta por cá também quer fazer uns eventos onde as cadeiras sejam o instrumento central do debate. Podemos frequentar os cursos, a título de «observadores»?

Acho que era desnecessário dizer, mas já que há dúvidas, aproveito para esclarecer que não concordo com a agressão em manifestações e por parte dos manifestantes.
Mas passando ao que é relevante: o que Abrupto e o Blasfémias querem fazer é simplesmente anular as causas destas pessoas. Ambos decidiram desdenhar das manifestações, que lutam por uma proposta justa por parte do G8. Estes protestos são uma continuação dos motivos do Live 8. São causas nobres, relativamente a um continente completamente destruído. Querer reduzir as manifestações a gostar de levar pancada só revela quem tal pensa.
Já a questão da corrupção é mais complexa. É evidente que há corrupção e em barda. Foi injectado muito dinheiro que não deixou rasto. Angola, por exemplo, é considerado um dos países mais corruptos do mundo.
Mas o problema é mais complexo do que isso. JPP ainda refere as desvantagens óbvias que o mercado impõe ao comércio africano. Mas depois ignora tudo o resto. Em primeiro lugar JPP pura e simplesmente finge que não sabe da corrupção OCIDENTAL sobre África; que não sabe da sangria feita pela Europa, pelos EUA e agora pela China dos recursos africanos; que não sabe que a corrupção dos dirigentes africanos é muitas vezes encoberta pelos interesses do mundo ocidental. Porque não menciona o pouquíssimo controlo das transacções e negócios com África ou que à medida que foram engordando uns quantos déspotas africanos, outros europeus tornaram-se obesos? Porque não fala da hipocrisia de perdoar a dívida contraída com o Banco Mundial e deixar a descoberto o empréstimo da banca privada, o que só aumenta o serviço da dívida? "Esquece-se" de mencionar que a contrapartida do fim das dívidas tem sido abrir os países africanos a companhias transnacionais. E omite que a ajuda a África pode (e deve) ser acompanhada por medidas anti-corrupção, o que não tem sido feito até agora.
A Comissão sobre África, cujas conclusões servem de base à discussão do G8, e que produziu um relatório ironicamente designado Our Common Interest, desenhava conclusões e recomendações que estão longe de um mero despejo de dinheiro. Ainda que não possa concordar com tudo o que está expresso, na verdade reconhece que o esforço para limpar África da corrupção tem que ser bilateral.
JPP também não menciona que outra questão quente desta reunião do G8 é a recusa dos EUA em assinarem o protocolo de Quioto. E que essa é também um das razões dos manifestantes.
JPP finge que não sabe uma série de coisas e reduz a agonia de África à corrupção. O Blasfémias bate palmas.
O G8, como aliás já referi noutro post, provavelmente vai dar em coisa nenhuma.