Um romance com Dostoievski I
"Finalmente, fecharam o caixão, puseram-no no carro e levaram-no para o cemitério. Acompanhei-o apenas até ao fim da rua. Daí em diante o carro seguiu a trote. O pobre pai foi atrás do veículo, a chorar ruidosamente, num pranto entrecortado devido à corrida. Caiu-lhe o chapéu, mas não se deu ao trabalho de o apanhar, continuando o seu caminho. A chuva batia-lhe na cabeça e um vento frio açoitava-lhe o rosto. O velho, porém, parecia não o sentir, chorando e correndo sempre, ora de um lado do carro, ora de outro. As compridas abas do seu fraque já roto ondulavam ao vento. Viam-se-lhe livros em todos os bolsos, e debaixo do braço levava um grande e pesado volume, que apertava convulsivamente de encontro ao peito. Os transeuntes descobriam-se e benziam-se, e alguns ficavam parados a contemplar o pobre homem, com olhos de espanto. De vez em quando, caía-lhe um livro, sobre a lama da rua. Então chamavam por ele, indicando-lhe o que perdera. O velho apanhava o volume e continuava a caminhar atrás do féretro. Pouco antes de dobrar a esquina, aproximou-se dele uma mendiga bastante idosa e seguiu também o carro, ao seu lado. Finalmente o cortejo sumiu-se na curva do caminho.”
(Pobre Gente, pág. 69, Ed. Livraria Civilização)
(Pobre Gente, pág. 69, Ed. Livraria Civilização)
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