O que morre na praia?
Acabei de ouvir a intervenção do CDS (TSF) na Assembleia da República sobre o arrastão de Carcavelos. O grande argumento é que o CDS está do lado das pessoas que foram atacadas. E então? Alguém está contra as vítimas de sexta feira passada? É evidente que não, e a intervenção do deputado Nuno Melo foi demagógica e populista. É justamente porque se pretende evitar que coisas destas voltem a acontecer, que é preciso pensar nelas com seriedade. Tenham sido 500 ou 100, foi de grande monta, muito mais do que parece na comunicação social portuguesa, e penso que até houve mais abafamento do que alarmismo. E não, não se trata de um punhado de teorias sociológicas edição de bolso, mas sim de intervir a montante e a jusante deste problema.
Pensar que se resolverá com mais policiamento é o lado simétrico da violência. Hoje controla-se a praia de Carcavelos, amanhã a de Quarteira. E depois? Se ocorrer em outra praia, num centro comercial, numa estação de metro, numa escola? As medidas repressivas são por vezes inevitáveis, mas forçosamente temporárias e de efeitos a curto-prazo.
Carcavelos apenas mostrou aquilo que já sabemos há muito, evidenciou a quantidade de pessoas, entre os quais portugueses descendentes de imigrantes africanos e imigrantes africanos, privados de direitos essenciais, a viver em condições degradadas e pouco integrados. E pelo menos isto deveria fazer-nos entender que a exclusão está longe de se resumir à questão do emprego/pobreza. Não são estes os únicos motivos pelos quais um grupo se sente excluído e age em conformidade. Há pobreza integrada e a exclusão é também simbólica, da ordem dos valores, da identidade, do sentimento de pertença, tanto quanto relativa ao acesso aos bens e serviços (saúde, educação, justiça, participação cívica) e territorial.
Por exemplo, se muitos jovens de descendência africana são portugueses porque nasceram em Portugal e foram educados pelas nossas escolas, pelos nossos media, nas nossas ruas, a Lei da Nacionalidade faz com que muitos destes cresçam e permaneçam estrangeiros, com todas as consequências simbólicas e práticas dessa situação: não são tratados como nacionais e não se comportam como tal. Não têm os mesmos direitos sociais, mas são exigidos iguais deveres. Além do mais, as políticas urbanísticas continuam a insistir nos mesmos erros: desertificação das cidades, progressiva centrifugação, criação de guetos e realojamentos que os reproduzem. O combate à exclusão territorial teria que passar, evidentemente, por um planeamento que fomentasse a integração e a “vizinhança” plural. Projectos de inserção social são escassos e pouco ou nada coordenados.
Carcavelos apenas mostrou aquilo que já sabemos há muito, evidenciou a quantidade de pessoas, entre os quais portugueses descendentes de imigrantes africanos e imigrantes africanos, privados de direitos essenciais, a viver em condições degradadas e pouco integrados. E pelo menos isto deveria fazer-nos entender que a exclusão está longe de se resumir à questão do emprego/pobreza. Não são estes os únicos motivos pelos quais um grupo se sente excluído e age em conformidade. Há pobreza integrada e a exclusão é também simbólica, da ordem dos valores, da identidade, do sentimento de pertença, tanto quanto relativa ao acesso aos bens e serviços (saúde, educação, justiça, participação cívica) e territorial.
Por exemplo, se muitos jovens de descendência africana são portugueses porque nasceram em Portugal e foram educados pelas nossas escolas, pelos nossos media, nas nossas ruas, a Lei da Nacionalidade faz com que muitos destes cresçam e permaneçam estrangeiros, com todas as consequências simbólicas e práticas dessa situação: não são tratados como nacionais e não se comportam como tal. Não têm os mesmos direitos sociais, mas são exigidos iguais deveres. Além do mais, as políticas urbanísticas continuam a insistir nos mesmos erros: desertificação das cidades, progressiva centrifugação, criação de guetos e realojamentos que os reproduzem. O combate à exclusão territorial teria que passar, evidentemente, por um planeamento que fomentasse a integração e a “vizinhança” plural. Projectos de inserção social são escassos e pouco ou nada coordenados.
É interessante verificar (ver link abaixo) que as percepções dos portugueses são mais negativas em relação a imigrantes africanos, diáspora com longa história em Portugal, do que em relação à imigração eslava ou brasileira.
O mais extraordinário é que a maioria dos portugueses, como mostram sondagens recentes como da Universidade Católica (Lages & Policarpo)PDF, são favoráveis aos plenos direitos mesmo de imigrantes ilegais e defendem a sua naturalização. A sondagem também mostra que quanto mais formalmente educados os cidadãos portugueses, menos racistas são. O poder político não conta com a oposição nem da opinião pública nem dos mass media (como demonstram outros trabalhos- ex: Isabel Ferrin- a sua difusão tem mudado e passado a ser bastante menos xenófoba). Por isso não se compreende a inércia e o constante adiar de medidas estruturais. Da mesma forma que não se entende como as televisões chegaram a Carcavelos no rescaldo dos acontecimentos, ou se ouviu o Secretário de Estado do Turismo preocupado com o impacto na actividade do sector e não se escutou o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, e outros importantes responsáveis nestas áreas. Estavam na praia?
O que pensam as pessoas da Frente Nacional quando vêem emigrantes portugueses em Inglaterra a serem atacados violentamente, porque uma inglesa foi supostamente assassinada, por um português?
Como diz Robert Castel, a exclusão de hoje, diferentemente da dos anos 70, e como já aqui uma vez assinalei, consiste em indivíduos supranumerários, sem qualquer utilidade social, translúcidos. Os acontecimentos de Carcavelos têm a única vantagem de os terem tornado visíveis, rompendo com o “longe da vista, longe do coração”. Que Verão diferente seria se soubéssemos aproveitar a oportunidade e tirássemos a cabeça da areia. Como ficaria mais fresco.
O mais extraordinário é que a maioria dos portugueses, como mostram sondagens recentes como da Universidade Católica (Lages & Policarpo)PDF, são favoráveis aos plenos direitos mesmo de imigrantes ilegais e defendem a sua naturalização. A sondagem também mostra que quanto mais formalmente educados os cidadãos portugueses, menos racistas são. O poder político não conta com a oposição nem da opinião pública nem dos mass media (como demonstram outros trabalhos- ex: Isabel Ferrin- a sua difusão tem mudado e passado a ser bastante menos xenófoba). Por isso não se compreende a inércia e o constante adiar de medidas estruturais. Da mesma forma que não se entende como as televisões chegaram a Carcavelos no rescaldo dos acontecimentos, ou se ouviu o Secretário de Estado do Turismo preocupado com o impacto na actividade do sector e não se escutou o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, e outros importantes responsáveis nestas áreas. Estavam na praia?
O que pensam as pessoas da Frente Nacional quando vêem emigrantes portugueses em Inglaterra a serem atacados violentamente, porque uma inglesa foi supostamente assassinada, por um português?
Como diz Robert Castel, a exclusão de hoje, diferentemente da dos anos 70, e como já aqui uma vez assinalei, consiste em indivíduos supranumerários, sem qualquer utilidade social, translúcidos. Os acontecimentos de Carcavelos têm a única vantagem de os terem tornado visíveis, rompendo com o “longe da vista, longe do coração”. Que Verão diferente seria se soubéssemos aproveitar a oportunidade e tirássemos a cabeça da areia. Como ficaria mais fresco.
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