terça-feira, junho 07, 2005

Estado vs Cidadão

Embora até ao século XX a utilização medicinal de cannabis pela medicina ocidental fosse comum, com o explodir das políticas proibicionistas, no século passado, o seu uso foi afastado. Nos últimos anos a pressão internacional para a aceitação médica das suas capacidades terapêuticas tem crescido, consequência da pressão dos próprios pacientes que, frequentemente, encontram na marijuana a única forma de minorar os efeitos secundários dos tratamentos de cancro, SIDA e outras doenças. Por exemplo, a inalação dos vapores da cannabis é frequentemente a única alternativa para os enjoos violentos provocados pela quimioterapia. Muitos pacientes não podem tomar outro tipo de analgésicos, têm dores insuportáveis e a cannabis aparece como uma alternativa. Infelizmente, às vezes a dor passa do patamar suportável, o que diminui a resistência geral dos pacientes, diminuindo a sua capacidade de recuperação da doença.
Pesquisas recentes sugerem que cannabinóides podem ter efeitos terapêuticos benéficos, nomeadamente no sistema neuroprotector. Mas o que me interessa aqui discutir nem é essa questão. É o direito que estes doente têm de usar marijuana, e independentemente da opinião sobre o consumo recreativo da cannabis.
No Canadá está autorizada a utilização de medicinal da marijuana para, por exemplo, controlar a epilepsia. Na Holanda, permite-se a venda de cannabis, mediante prescrição médica, nas farmácias. Em 1998, a Câmara dos Lordes do Reino Unido publicou um relatório defendendo a utilização medicinal da cannabis e recomendou a realização de testes clínicos.
Em dez estados dos EUA, o uso medicinal de marijuana foi autorizado por decisão de referendos. Agora querem acabar com essa possibilidade, alegando que os assuntos relacionados com estupefacientes são de âmbito nacional e não devem ser deixados ao arbítrio estadual.
Muitas associações de doentes oncológicos já reagiram, afirmando que, se assim for, vão optar pela desobediência civil. Estes cidadãos arriscam-se a multas e registo criminal, ao contactarem com traficantes (em vez de médicos), arriscando-se a obter um produto que não lhes fornece garantias de qualidade e pureza, ou ao cultivar a planta, podendo ser acusados de produção.
Angel Raich é mulher com dois filhos, que se define a si própria como conservadora. Diz que sempre repudiou o uso de drogas. Hoje inala marijuana várias vezes ao dia. Tem um cancro no cérebro, já experimentou todo o tipo de medicamentos, sem sucesso, e a cannabis é o único produto que alivia as dores. Afirma que, seja qual for a decisão do congresso, vai continuar a usar. Irvin Rosenfeld tem 52 anos e é banqueiro. Desde muito novo que tem uma doença óssea e muscular rara e extremamente dolorosa. Tem 29 tumores. Utilizou durante anos e anos todo os tipos de medicamentos, nomeadamente morfina, sem resultados. Por agora, está autorizado a fumar cannabis, a substância que resulta na sua condição médica. Se a lei for alterada, deixará de ter as prescrições médicas. Na reportagem à CNN dizia que a cannabis lhe salvou a vida e permitiu que, em vez de ser um fardo para a sociedade, que se tornasse num elemento activo. Não hesita em dizer que continuará a usar cannabis, seja qual for a decisão do congresso.
Em 2003, numa das ocasiões em que a prescrição médica da cannabis foi discutida, o jornal Público recolheu os depoimentos de João Goulão, Júlio Machado Vaz, Alexandre Quintanilha e outros, largamente favoráveis a estas medidas. Zeferino Bastos, médico no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto e membro da direcção da Associação Portuguesa do Estudo da Dor (APED) dizia “40 por cento da população global tem ou já teve episódios de dor crónica, e, desses, entre 65 a 85 por cento desenvolvem dor oncológica (…) a cannabis poderia ser mais um medicamento a ser introduzido no tratamento da dor, desde que bem aplicado e com regras”.
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