ART&rial I
(ART&rial é uma nova série de posts aqui nos bichos e que correspondem aos meus passeios pelo Art Institute of Chicago (AIC). Serão posts semanais, numa série de 10. Não sou pintora, escultora ou arquitecta. Nem historiadora de arte ou crítica de arte. Nem sequer serão posts a “analisar” as obras expostas. Apenas estampagens de uma montra que gosto de visitar. Sai às sextas.)
O AIC mora numa das principais avenidas de Chicago, a Michigan. É uma avenida larga e concorrida, começando no lago homónimo e terminando algures na University of Chicago, bastante mais a sul. A rua distrai-se com o Water Tower Place (uma vista magnífica da cidade), com o rio (cujas margens são uma exposição de arquitectura), com o Chicago Cultural Center (sempre animado com muitos e bons espectáculos gratuitos). Segue o imprevisível Millennium Park, que reúne obras de Frank Gehry, Jaume Plensa, Anish Kapoor, entre outros. Logo a seguir o AIC. As tentações continuam, mas nós saímos aqui.
O edifício do AIC, datado de 1893 foi construído para a World's Columbian Exposition. A sua fachada, uma salganhada greco-romana, tem uma curiosidade. Nas paredes do topo encontram-se gravados nomes de vários pintores (muitos renascentistas italianos) como: Botticelli, Leornado da Vinci, Michael Ângelo, Titian, Corregio, Tintoretto. Portanto, parece que o nome de Michelangelo está mal escrito há mais de cem anos. Mau cartão de visita para um excelente museu.
Ainda a propósito de nomes, é curioso observar que, do outro lado da rua, se encontra a “casa” da fantástica Chicago Symphony Orchestra. Este edifício também tem nomes gravados (Bach, Mozart, Beethoven, Schubert e Wagner), criando um curioso frente-a-frente.
O acervo do AIC é famoso sobretudo pela colecção de pintura europeia e americana, embora tenha uma vasta colecção de escultura, arte oriental e africana. Quando se entra no museu e se segue em frente, desprezando a enorme escadaria que leva às galerias mais frequentadas, atravessa-se para o outro lado do edifício. Na verdade, é um outro prédio (um “acrescento” mais recente), ligado por um grande corredor, o Gunsaulus Hall. Na gíria do AIC, há quem lhe chame o túnel do Guerra & Paz, já que de um lado tem várias armaduras, lanças e escudos e do outro relicários e imagens religiosas. O corredor desemboca nas feéricas America Windows do Chagall. Estas "janelas" são atravessadas pela claridade do pátio interior, derramando uma luz azul-vítreo. De Chagall sempre gostei das suas incursões intimistas, mais do que das experimentais, e esta cortina eléctrica passou a fazer parte da minha colecção privada.
Chega-se à pequena colecção de arte egípcia, grega, etrusca e romana do AIC. É curioso que tenham designado esta galeria de Montgomery Ward, já que o senhor em causa foi o principal defensor do lago e da sua comunhão com a cidade, opondo-se sempre à construção na orla. Por isso os chicagoans podem hoje desfrutar de uma enorme marginal aberta e livre, com mais de 35 km de praias e parques, em vez de uma barra apinhada de prédios e néons. Bons exemplos…
Como são poucas peças das civilizações antigas, atravessa-se de 4000 a.C. até aos primeiros séculos da era cristã, numa dúzia de passos. As obras egípcias ficam coladas às gregas, que se misturam com as romanas. Pode então observar-se, num golpe, como os gregos terminaram com a rigidez do corpo egípcio, humanizando posturas, serenando o olhar e idealizando formas, tanto como os romanos mimetizaram a arte grega, mas dando-lhe um cunho mais realista. Interessante ver estas peças e relacioná-las com a queda dos respectivos impérios (embora, naturalmente, as explicações sejam múltiplas e complexas). Os egípcios incapazes de mudarem, aprisionados num estereótipo infindável, os romanos musculando os torsos gregos, tão equilibrados no seu contrapposto, vertendo a brutalidade que lhes permitiu construir um império da Escócia à Líbia. Brutalidade essa que, segundo a teoria de Gibbon, seria o sustentáculo da sua autoridade, desmaiando com o Imperador Constantino e a cristianização.
Já no fim desta sala há um busto de Adriano que me aviva sempre a cena da Tosca sobre o Castel San’t Ângelo, em Roma, tanto quanto o perdurar da matriz judaico-cristã. Das estátuas de Praxiteles aos The Menaechmi Twins de Plautus. Deste à Comédia dos Erros de Shakespeare. Para ficarmos com o musical A Funny Thing Happened on the Way to the Forum?
A idade média fica para a semana.
<< Home